Olá Doutor,
Curioso, também está a ouvir Rodrigo Leão. (link)
O caminho para o consultório teve a mesma banda sonora e vinha a pensar na forma como a minha vida se resume a uma correria incessante só para que me ouça a respirar e saiba que estou viva.
Páro, ganho fôlego e recomeço sem que nada me trave.
Corro em dias de sol, deixando que a luz me envolva e mime.
Corro em dias de chuva, deixando que as lágrimas do mundo se fundam com as minhas.
Corro até não poder mais.
Corro para a morte.
Todos corremos.
No entanto, não é a últma etapa que me interessa.
Interessam-me as etapas intermédias, no final das quais olho para trás de modo a confirmar que não é um único ser que chega, mas sim uma multidão.
segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
Telepatia pré-paga
Doutor...
Doutooooooor... consegue ouvir-me?
Doutor? Dout... Está a ouv... Estou a perd... Não devo ter rede telepática nesta zona. Raios! Vou mudar de sítio.
E agora? Consegue ouvir-me? Concentre-se.
Está no escritório? Olhe, então estique-se no divã por mim, pode ser?
Obrigada. Sabe bem, não sabe?
A voz que está a ouvir no interior da sua cabeça não é imaginação, sou eu. Sim, eu!
Hum, ouvir no interior da cabeça... Questão curiosa esta. Se o nosso sistema auditivo implica que as ondas sonoras (externas) sejam recebidas no pavilhão auricular (pomposo, não é?) e encaminhadas para o chamado ouvido interno... como se chamará quando temos consciência de vozes que vêm de dentro?
Não, Doutor, não estou a falar das "vozes" que provocam a toma de antipsicóticos. Falo daquelas que nos preenchem a mente e entre as quais surgem diálogos infindáveis.
Será que ouvimos os nossos pensamentos ou... Diga Doutor? Como assim, não percebe o que se está a passar?
Hoje decidi optar pelo admirável mundo novo da telepatia. Diga lá, não estava à espera desta, pois não?
Andava aqui por casa, rodeada das cores, cheiros e sons do costume até que me apeteceu provar um pedaço de silêncio. É estranho, sabe. É... vazio... oco, mas enche-me a mente de tal maneira que quase parece rebentar.
Eis quando decidi ir à internet pesquisar sobre pacotes de telepatia pré-pagos. Comprei um online e, olhe, aqui estamos nós.
Dá para uma hora. Não é muito tempo, eu sei, mas os outros tarifários eram caros e eu tenho que poupar para as prendas de Natal.
Pelo menos, deve dar para lhe falar sobre a forma como a estranha ausência provocada pelo silêncio faz sentir a existência de outras pessoas espalhadas por aí. Não ouço, vejo, cheiro, toco ou saboreio as presenças delas, mas sinto-as nas suas vidas.
São muitas, deambulando por inúmeros caminhos e, curiosamente, passando umas pelas outras sem interagirem, nem perceberem que integram um todo.
A nossa natureza torna-nos seres estranhos porque sentimos aqueles que nos rodeiam através das coisas, ou seja, não os vemos, ouvimos, cheiramos, tocamos ou saboreamos no seu estado puro. Encaramo-los como algo comum, mais do mesmo, e apenas tomamos sentido da sua essência quando nos dedicamos a uma evolução conjunta.
Sabe, é que as pessoas não se reduzem aos acessórios que usam no quotidiano, meras adaptações de algo que na maioria dos casos foi feito a pensar em tudo menos nelas. Em suma, as pessoas não são o que se vê, mas aquilo que se sente.
Uma vez que estamos longe, vou propor-lhe um exercício.
Feche os olhos e pense numa pessoa. Não tem que ser alguém com uma característica específica. Uma pessoa qualquer.
Vá, rápido que a telepatia paga-se. Olhe, pronto, posso ser eu. A sério, esteja à vontade.
Não se esforce por recordar um momento em especial que tenhamos tido ou um bem material que tenhamos partilhado. Relaxe no divã e, simplesmente, pense em mim.
Não, não está a fazer uma figura ridícula. Ainda por cima está aí sozinho. Vá, pense em mim... só uns segundos... de olhos fechados... isso mesmo.
Já pensou? Óptimo.
Agora, diga-me, sentiu a minha roupa, a minha casa, os meus gestos? Não, pois não?
O que sentiu?
Pois... esse formigueiro mental sem nome sou eu na minha forma pura e quanto melhor nos conhecermos maior será a sensação. Porquê? Ora, porque à semelhança da água transparente que enche uma jarra, as essências daqueles com quem nos partilhamos preenchem a nossa existência sem que seja necessário vê-las.
Percebe?
Doutor? Diga? Estou a deixar de o ouv... Chiça, acabou o plafond telepático.
Uma coisa é certa, até voltarmos a encontrar-nos, fica o formigueiro que apenas os sentimentos fortalecem e a certeza de que andamos pelos quatro cantos do mundo (redondo), conscientes da existência um do outro.
Doutooooooor... consegue ouvir-me?
Doutor? Dout... Está a ouv... Estou a perd... Não devo ter rede telepática nesta zona. Raios! Vou mudar de sítio.
E agora? Consegue ouvir-me? Concentre-se.
Está no escritório? Olhe, então estique-se no divã por mim, pode ser?
Obrigada. Sabe bem, não sabe?
A voz que está a ouvir no interior da sua cabeça não é imaginação, sou eu. Sim, eu!
Hum, ouvir no interior da cabeça... Questão curiosa esta. Se o nosso sistema auditivo implica que as ondas sonoras (externas) sejam recebidas no pavilhão auricular (pomposo, não é?) e encaminhadas para o chamado ouvido interno... como se chamará quando temos consciência de vozes que vêm de dentro?
Não, Doutor, não estou a falar das "vozes" que provocam a toma de antipsicóticos. Falo daquelas que nos preenchem a mente e entre as quais surgem diálogos infindáveis.
Será que ouvimos os nossos pensamentos ou... Diga Doutor? Como assim, não percebe o que se está a passar?
Hoje decidi optar pelo admirável mundo novo da telepatia. Diga lá, não estava à espera desta, pois não?
Andava aqui por casa, rodeada das cores, cheiros e sons do costume até que me apeteceu provar um pedaço de silêncio. É estranho, sabe. É... vazio... oco, mas enche-me a mente de tal maneira que quase parece rebentar.
Eis quando decidi ir à internet pesquisar sobre pacotes de telepatia pré-pagos. Comprei um online e, olhe, aqui estamos nós.
Dá para uma hora. Não é muito tempo, eu sei, mas os outros tarifários eram caros e eu tenho que poupar para as prendas de Natal.
Pelo menos, deve dar para lhe falar sobre a forma como a estranha ausência provocada pelo silêncio faz sentir a existência de outras pessoas espalhadas por aí. Não ouço, vejo, cheiro, toco ou saboreio as presenças delas, mas sinto-as nas suas vidas.
São muitas, deambulando por inúmeros caminhos e, curiosamente, passando umas pelas outras sem interagirem, nem perceberem que integram um todo.
A nossa natureza torna-nos seres estranhos porque sentimos aqueles que nos rodeiam através das coisas, ou seja, não os vemos, ouvimos, cheiramos, tocamos ou saboreamos no seu estado puro. Encaramo-los como algo comum, mais do mesmo, e apenas tomamos sentido da sua essência quando nos dedicamos a uma evolução conjunta.
Sabe, é que as pessoas não se reduzem aos acessórios que usam no quotidiano, meras adaptações de algo que na maioria dos casos foi feito a pensar em tudo menos nelas. Em suma, as pessoas não são o que se vê, mas aquilo que se sente.
Uma vez que estamos longe, vou propor-lhe um exercício.
Feche os olhos e pense numa pessoa. Não tem que ser alguém com uma característica específica. Uma pessoa qualquer.
Vá, rápido que a telepatia paga-se. Olhe, pronto, posso ser eu. A sério, esteja à vontade.
Não se esforce por recordar um momento em especial que tenhamos tido ou um bem material que tenhamos partilhado. Relaxe no divã e, simplesmente, pense em mim.
Não, não está a fazer uma figura ridícula. Ainda por cima está aí sozinho. Vá, pense em mim... só uns segundos... de olhos fechados... isso mesmo.
Já pensou? Óptimo.
Agora, diga-me, sentiu a minha roupa, a minha casa, os meus gestos? Não, pois não?
O que sentiu?
Pois... esse formigueiro mental sem nome sou eu na minha forma pura e quanto melhor nos conhecermos maior será a sensação. Porquê? Ora, porque à semelhança da água transparente que enche uma jarra, as essências daqueles com quem nos partilhamos preenchem a nossa existência sem que seja necessário vê-las.
Percebe?
Doutor? Diga? Estou a deixar de o ouv... Chiça, acabou o plafond telepático.
Uma coisa é certa, até voltarmos a encontrar-nos, fica o formigueiro que apenas os sentimentos fortalecem e a certeza de que andamos pelos quatro cantos do mundo (redondo), conscientes da existência um do outro.
segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
Adrenalina
Boa noite, Doutor, como está hoje?
Cruzei-me com a Dona Deolinda nas escadas do prédio. Já sentia saudades dela. Tenho aparecido quase sempre sem avisar e a horas impróprias, o que dificulta todo o processo de trocar um sorriso meu por um número infindável de cusquices dela. É incrível perceber como o mundo daquela senhora tem alicerces em coisas simples e, aparentemente, fúteis.
No entanto, admito que apesar de não ter os mesmos interesses que eu, a Dona Deolinda merece admiração por manter a capacidade inabalável de se maravilhar com o que a rodeia (mesmo tratando-se de vidas alheias).
Passamos a vida a falar de "grandes obras" quando, na verdade, a verdadeira felicidade é potenciada regularmente através da simples partilha do ar com aqueles que tornam os pormenores grandes, as palavras cheias e a alma viva.
Este fim-de-semana fui mergulhar em multidão, reencontros e outros deleites para os sentidos: vi gentes, partilhei memórias, pude confirmar que o cheiro das castanhas na Baixa continua a ser especial (a poucos metros dos rasgos de campo existentes nas flores silvestres que por ali se vendem), partilhei sonhos, deixei-me transportar para o "Le Fabuleux Destin d'Amelie Poulain" por um carrossel, partilhei planos e apaixonei-me pelo pôr-do-sol no Tejo dourado.
Perante tanta coisa, confirmo que não pertenço a lado algum e que nunca existirão âncoras que me façam parar de rumar ao infinito. Porquê? Porque a incerteza da Vida se desvanece nos momentos em que conseguimos ter no mundo a nossa casa e nos outros o nosso lar.
Dedicamos demasiado tempo às mesmas dúvidas de sempre e desesperamos sem ganharmos consciência de que cada dificuldade deve ser encarada como um desafio.
Quer maior adrenalina do que viver numa geração em que a palavra "estabilidade" foi apagada dos dicionários? Acordar todos os dias numa época que desconhece o "longo prazo"?
Está na altura de aprendermos a respirar em conjunto e assumirmos a loucura que nos corre nas veias, saboreando o luxo de vivermos sem passarmos o tempo a provarmos que somos os seres excepcionais que a sociedade tão mediocremente idealizou.
Arriscar, fazer malas, viver com os erros, ficar, partir, rir sem razão, correr descalços pela terra e pelo alcatrão, pedir conselhos a um desconhecido, dizer sim, amar, dançar por casa, abraçar uma árvore, fumar um cigarro com um indigente, tocar os outros e sentir neles um arrepio, criar, chorar no cinema, mudar de sofá, de casa, de rua, de país, de vida... ou ficar no mesmo sítio e fazer coisas diferentes todos os dias.
Sobra-nos viver o hoje, sem as tretas do carpe diem estandardizado. Que se siga em frente, saboreando as gotas de vida que o tempo nos dá sem perdemos a certeza de que o mais importante não se trata do que pretendemos conquistar, mas sim das pequenas grandes coisas que nos conquistam pela sua simplicidade.
Não, doutor, não é fácil e todos os dias recebemos notícias de alguém que desistiu de lutar. No entanto, o mundo precisa de pessoas que acreditem no sol para lá das nuvens e transmitam esse conhecimento.
Acredito que o futuro deste planeta não passa por grandes teorias, mas sim por gestos simples e quotidianos, pelos sorrisos que partilhamos, pela beleza que transmitimos através de gestos espontâneos.
A confiança no futuro passa pela confiança nos outros e, por mais contraditório que possa parecer, não podemos limitar-nos a pensar globalmente, temos que agir localmente. Urge lançar pequenas sementes de esperança aqui e ali, darmos e assumirmos que gostamos de receber para que a consciência global ganhe raízes e ramos fortes.
O mundo não sobreviveu devido aos grandes feitos esporádicos, mas sim aos pequenos gestos de cada dia, às pequenas sementes de Amor que se lançam na Terra a cada momento. Não falo dos grandes amores que tanto se procuram. Falo dos pequenos, daqueles que nos aconchegam com o calor humano de um olhar cúmplice.
Sejamos pioneiros ao lançar grãos do futuro sem medos nem lamentos.
Sejamos crianças assumidas com as nossas birras de adultos por carrinhos, casinhas e paísinhos.
Sejamos humanos conscientes dos actos animalescos que cometemos.
Sejamos genuínos na forma de dar e receber.
Sejamos inovadores sem perder os ensinamentos do passado.
Sejamos visionários, arriscando soluções para mudar o mundo.
Sejamos loucos para passarmos da esperança aos resultados.
Cruzei-me com a Dona Deolinda nas escadas do prédio. Já sentia saudades dela. Tenho aparecido quase sempre sem avisar e a horas impróprias, o que dificulta todo o processo de trocar um sorriso meu por um número infindável de cusquices dela. É incrível perceber como o mundo daquela senhora tem alicerces em coisas simples e, aparentemente, fúteis.
No entanto, admito que apesar de não ter os mesmos interesses que eu, a Dona Deolinda merece admiração por manter a capacidade inabalável de se maravilhar com o que a rodeia (mesmo tratando-se de vidas alheias).
Passamos a vida a falar de "grandes obras" quando, na verdade, a verdadeira felicidade é potenciada regularmente através da simples partilha do ar com aqueles que tornam os pormenores grandes, as palavras cheias e a alma viva.
Este fim-de-semana fui mergulhar em multidão, reencontros e outros deleites para os sentidos: vi gentes, partilhei memórias, pude confirmar que o cheiro das castanhas na Baixa continua a ser especial (a poucos metros dos rasgos de campo existentes nas flores silvestres que por ali se vendem), partilhei sonhos, deixei-me transportar para o "Le Fabuleux Destin d'Amelie Poulain" por um carrossel, partilhei planos e apaixonei-me pelo pôr-do-sol no Tejo dourado.
Perante tanta coisa, confirmo que não pertenço a lado algum e que nunca existirão âncoras que me façam parar de rumar ao infinito. Porquê? Porque a incerteza da Vida se desvanece nos momentos em que conseguimos ter no mundo a nossa casa e nos outros o nosso lar.
Dedicamos demasiado tempo às mesmas dúvidas de sempre e desesperamos sem ganharmos consciência de que cada dificuldade deve ser encarada como um desafio.
Quer maior adrenalina do que viver numa geração em que a palavra "estabilidade" foi apagada dos dicionários? Acordar todos os dias numa época que desconhece o "longo prazo"?
Está na altura de aprendermos a respirar em conjunto e assumirmos a loucura que nos corre nas veias, saboreando o luxo de vivermos sem passarmos o tempo a provarmos que somos os seres excepcionais que a sociedade tão mediocremente idealizou.
Arriscar, fazer malas, viver com os erros, ficar, partir, rir sem razão, correr descalços pela terra e pelo alcatrão, pedir conselhos a um desconhecido, dizer sim, amar, dançar por casa, abraçar uma árvore, fumar um cigarro com um indigente, tocar os outros e sentir neles um arrepio, criar, chorar no cinema, mudar de sofá, de casa, de rua, de país, de vida... ou ficar no mesmo sítio e fazer coisas diferentes todos os dias.
Sobra-nos viver o hoje, sem as tretas do carpe diem estandardizado. Que se siga em frente, saboreando as gotas de vida que o tempo nos dá sem perdemos a certeza de que o mais importante não se trata do que pretendemos conquistar, mas sim das pequenas grandes coisas que nos conquistam pela sua simplicidade.
Não, doutor, não é fácil e todos os dias recebemos notícias de alguém que desistiu de lutar. No entanto, o mundo precisa de pessoas que acreditem no sol para lá das nuvens e transmitam esse conhecimento.
Acredito que o futuro deste planeta não passa por grandes teorias, mas sim por gestos simples e quotidianos, pelos sorrisos que partilhamos, pela beleza que transmitimos através de gestos espontâneos.
A confiança no futuro passa pela confiança nos outros e, por mais contraditório que possa parecer, não podemos limitar-nos a pensar globalmente, temos que agir localmente. Urge lançar pequenas sementes de esperança aqui e ali, darmos e assumirmos que gostamos de receber para que a consciência global ganhe raízes e ramos fortes.
O mundo não sobreviveu devido aos grandes feitos esporádicos, mas sim aos pequenos gestos de cada dia, às pequenas sementes de Amor que se lançam na Terra a cada momento. Não falo dos grandes amores que tanto se procuram. Falo dos pequenos, daqueles que nos aconchegam com o calor humano de um olhar cúmplice.
Sejamos pioneiros ao lançar grãos do futuro sem medos nem lamentos.
Sejamos crianças assumidas com as nossas birras de adultos por carrinhos, casinhas e paísinhos.
Sejamos humanos conscientes dos actos animalescos que cometemos.
Sejamos genuínos na forma de dar e receber.
Sejamos inovadores sem perder os ensinamentos do passado.
Sejamos visionários, arriscando soluções para mudar o mundo.
Sejamos loucos para passarmos da esperança aos resultados.
Subscrever:
Mensagens (Atom)