segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Comentários

Tou, dona Deolinda?

Olá, boa tarde, pode passar o telefone ao doutor? Diga? Ele não está?

Ah, pronto. Então, deixe lá, eu volto a lig.... diga? Chegou agora? Ah, então posso falar com ele? Adeuzinho. Sim, sim, a família está bem de saúde, obrigada. Cumprimentos aos seus. Adeuzinho.

Sim, doutor? Olá, boa tarde. Quer que ligue mais tarde ou podemos falar agora? Hum, hum, ok, se não há problema...

Olhe, estou a ligar-lhe para dizer que, sem saber, não permitia comentários às nossas consultas. De facto, estas coisas são como os telemóveis. Uso as funções que me dão jeito e quero lá saber se têm o extra de tirar fotos, fazer torradas (sem queimar...) ou cortar as unhas. Se bem que um telemóvel com corta-unhas...

Diga? Vai dizer-me que não dava jeito... se alguns telemóveis já têm lanterna! Oh doutor, se tiver estômago para isso, imagine aqueles senhores que cortam as unhas nos autocarros. Escusavam de levar duas ferramentas! Ok, ok, a imagem tem tudo de provinciano, passa-se nas grandes cidades e é deprimente... por mais que não lhes negue a perícia para cortar a unhaca certinha apesar das curvas, solavancos, roubos, discussões sem nexo, casos de gripe A e afins... Uma viagem de autocarro é uma experiência marcante.

Doutor, hoje em dia, um telemóvel com lanterna pode parecer uma coisa banal, mas quando apresentaram a ideia deve ter havido muita gentinha a achá-la descabida. Pois, doutor, é como tudo na vida. Inicialmente, receia-se o desconhecido, mas por vezes as ideias resultam e, mais importante ainda, perduram.

Meu caro doutor, a visão e a capacidade de gestão não se devem limitar apenas ao mundo dos negócios. No entanto, também não devemos encarar a vida com base numa noção concorrencial. A vida deve ser encarada como uma associação sem fins lucrativos. Os valores que a fazem mover pertencem a cada um.

Como? Quem apoiaria a associação financeiramente? E quem iria aprovar os estatutos? Oh, doutor, por vezes questiono-me se sou eu quem dá as consultas... Os estatutos? Não preciso da aprovação dos meus estatutos por uma entidade. Não preciso de ter algo escrito para me guiar. O lado delicioso da vida é aquele em que simplesmente existimos e conseguimos sentir-nos nós próprios. Sentir o presente na nossa pele e não apenas em relação ao que nos rodeia, às memórias ou ao futuro.

Claro, claro, doutor, tem toda a razão. O que nos rodeia é importantíssimo e, curiosamente, é o todo que contribui para a individualidade de cada pessoa. No entanto, o ser humano evolui a partir do momento em que interioriza o que o rodeia e se expande.

Entende? Não entende... ok. Então, deixe-me colocar a questão de outra forma. Os comentários de quem me rodeia são importantes. É uma maneira de perceber que fui ouvida e que fiz os outros pensarem sobre determinado assunto (ou mesmo um simples devaneio), mas recuso-me a receber e a guardar tudo na caixinha cerebral.

Tudo o que nos rodeia deixa as suas marcas, obviamente, algumas muito mais profundas do que outras. É então que a magia acontece... expandimo-nos para além do mundo de modo a que consigamos ver-nos a nós próprios quando nos olhamos ao espelho e não apenas mais um produto social. (Já falámos da questão dos espelhos noutra consulta...)

Doutor, é um truque de magia tão simples e não perde a capacidade de me fazer sorrir como os putos... mesmo que, por vezes, seja necessário tirar o vapor do espelho. Pois, doutor, o vapor são os comentários aos quais damos demasiada importância. Tudo o que é belo e genuíno não gera vapor, gera brilho nos olhos.

Ah, doutor, e como é fantástica a sensação quando o vapor desaparece e conseguimos encontrar-nos do outro lado, de cara lavada... Puff, a magia acontece! Agora, imagine quando essa magia se partilha...

Percebeu agora, doutor? Doutor? Touuuuuu? Doutor, está a ouvir?

Oh não, fiquei sem bateria...

Casas com janela

Olá Doutor,

Estou de volta e desta vez não trouxe músicos. Estamos em pleno Verão e custa-me pedir-lhes para arranjarem um espacito durante as tournées. Havia um ou outro disponível, mas não me agradavam e, já sabe como é, queremos sempre aqueles que já têm a agenda cheia.

Olhe, mas hoje vim cá para lhe falar de casas. Sim, mais especificamente, de uma casa minha.

Encontrei esta fotografia e a cabecita não resistiu, meteu-se a pensar, a pensar, a pensar... pois, já lhe disse que sofro de um caso grave de introspecção aguda. Eu bem que tenho tomado os comprimidos de ginseng e maturidade que me receitou, mas tem dias em que é mais forte do que eu...

Verdade seja dita, estou muito melhor! Ultimamente, também ando a fazer um tratamento à base de pensamentos positivos e sinto-me meio dopada. Ainda esta semana dei por mim a pensar que a
vida é demasiado curta para que deixemos de beber o brilho de tudo o que nos rodeia.

Bem, mas voltemos à foto. Esta é a vista da minha última casa (minha, todinha, só minha... pronto, e da senhoria...) e posso garantir-lhe que passei horas a ver aquela imensidão que me arrebatava de cada vez que ia à janela. Aquele é o único azul de que gosto e, além disso, nas noites de lua cheia a vista enchia-se de glamour pois o negro transformava-se em prata.

Eu tenho plena consciência de que naquela altura deveria ter passado por aqui mais vezes, ter-me-ia ajudado bastante nos dias em que deixei de ouvir o mar e me recusei a olhar para ele. Nesses dias, f
echava a janela e quando dava por mim tinha sido engolida por um mar diferente... o mar de gente que se move todos os dias para os mesmos sítios. Pequenas formigas que não são felizes nem infelizes porque já não sentem, já não se maravilham, já não sabem partilhar..

Aquela imensidão fez toda a diferença, sabe porquê, doutor? O mar tem uma energia fantástica. Muitas vezes sinto que somos um, é através dele que chego ao outro lado do mundo e ele foi chamando, sempre, mesmo quando eu tapava os ouvidos.

Hoje, ao encontrar esta foto, percebi a mensagem que esteve o tempo todo do lado de fora da janela... e dentro de mim.

O mar revelou-me que, a
pesar da sua grandeza e calma aparentes, se renova a cada onda e que a felicidade surgirá quando aprendermos a vibrar de cada vez que a água conquista a areia. Aquela imensidão é a imensidão da vida e a cada onda corresponde um momento.

Diga, doutor? Quer a foto? Claro que pode ficar com ela!

Sabe, o importante é chegarmos a casa e abrirmos a janela...

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

O teu bem faz-me tão mal...

Olá, dona Deolinda, como está?

Não, hoje não tenho consulta. Vim só deixar este recado para o senhor Doutor. Nem precisa de o chamar.

Sabe, é que algumas músicas entram no ouvido, viram-nos do avesso e nunca mais nos saem do corpo... mesmo quando as próprias músicas apenas viradas do avesso fazem sentido...

Ele que clique no link, analise a situação e depois falamos.

Pronto, está entregue!

Adeuzinho e até à próxima.

Banhos de água fria

Posso entrar, doutor?

Nem cheguei a sair do edifício e já estou de volta...

Não podia deixar de lhe falar sobre as férias deste ano, mas tem que ser rápido porque estou a ficar com fome e o Yann Tiersen está lá fora à espera...

Hummm... Na verdade, fazer férias do desemprego pode parecer inconsciente e rir sem parar por confundir uma entrevista de emprego ali na esquina com uma viagem por metade do país até faz corar, mas soube tãããããããoooooo bem :)

Apesar do bar lounge com música da treta, minis sem copo e tremoços (lounge? oh sim, o bar estava muito "lounge" do conceito). Apesar das palmadinhas hardcore na tenda do lado (não sei se a pele ficará esplêndida dessa maneira, mas... sei lá... tratamento revigorante?). Apesar da chuva de areia em plena praia paradisíaca. Apesar do confronto com o ego profissional ao invadirem a minha realidade com as gravações de uma novela qualquer. Apesar do receio de conduzir descalça com dois meses de carta (sou radical, acho que vou colocar um néon no Clio). Apesar das ressacas, mental e física, com cheiro a sardinha. Apesar do meu cotovelo perto de narizes alheios. Apesar das substâncias ilícitas colocadas nas bebidas (pelas doses utilizadas, devem estar em promoção!). Apesar de um Borba branco (ok, ok, é vinho, siga). Apesar dos banhos de água fria...

Pois, Doutor, os banhos de água fria são um elemento constante nas minhas férias, as do desemprego e as do quase-emprego (como serão as férias a sério? daquelas com subsídio e tudo?).

Sabe o que lhe digo? Se os banhos de água fria surgem sempre no meio de tantas coisas boas... Então, apanhar com baldes de água fria não custa assim tanto...

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

A perfeição gera azia...

Olá Doutor...

Sim, regressei ao meu divã virtual... Obrigada por ter acedido ao meu pedido, convidando o Yann Tiersen para estar presente nesta sessão. O Yann tem aquela capacidade fantástica de me fazer teclar como se tocasse piano.

Ai ai, a introspecção... Pensando bem, Yann, obrigadíssima por teres vindo, mas.... podes sair. A sério! Ah, e já agora, podem entrar... Hello! Yes, yes, come in...

Doutor, estes são os Bloc Party. Passe aí a cadeira para o moço se sentar. Sinceramente, prefiro que sejam eles a estarem presentes. Neste momento, preciso que me empurrem para longe da introspecção que, em excesso, provoca colesterol no cérebro.

Por vezes (e são muitas), tenho a sensação de que pensar muito é sinónimo de viver pouco. Perde-se tanto tempo a pensar nas coisas e acções nada, nadinha, rien. O mundo não acontece dentro da nossa cabeça... apesar dela ser um ponto de partida para a conquista e derrube de quaisquer limites.

Diga Doutor, ah, não estranhe, estes jovens são os The National, também os convidei. Pois... tem razão, já é muita gente cá dentro... Bloc Party, yes, you can go. I'll call you latter. Yep, i know that you need to fly away, but, remember, distance is not enough to keep people apart. I'll send a message or an e-mail. Great! Bye, take care.

Ai, doutor, desculpe lá este entra e sai, mas hoje não consigo estar quietinha a ouvir música e a falar aqui consigo. Preciso de energia, energia a transbordar, para não chegar a perceber o estado da minha. Não, não quero falar sobre isso...

Olhe, pense assim, hoje tem aqui um ambiente de festival de Verão e eu ainda lhe pago a sessão. Aproveite, não complique as coisas. Mas, que queixas dos vizinhos? Oh, por favor! Não me diga que estes não cantam bem? Esta parte da música é excelente!

Quer dizer, tem aqui dentro um momento fantástico e está preocupado com os vizinhos? Quando isso me acontece, apetece-me ir para a rua despida. Assim vêem tudo, sem panos sociais. Tudinho. Desde que não coloquem os vídeos no youtube, nem as fotos no hi5, está tudo bem...

Complicar para quê? O ser humano acha sempre que o lado complexo da vida é sinónimo de... Ei, meninos, essa música não. Outra, play another one, please. Thanks. Bem, como estava eu a dizer - oh doutor, não gosto daquela música, esta não é melhor? - o ser humano acha que complicar é sinónimo de evolução. Não concordo. A vida tem tendência a cruzar os vários fios que fomos tecendo com o passar do tempo. A possibilidade de se gerarem nós é imensa, mas o mais importante é garantir que o novelo saia perfeitinho.

Ui, perfeitinho... pois, a velha questão da perfeição... Sabe, aqui para nós, a perfeição em demasia pode gerar azia. Ai, a perfeição... - olhe, foi uma falha minha, bem que podia ter convidado os Donna Maria para virem cá, imagine-os a tocarem o tema "Quase perfeito", até arrepiava! - A perfeição... A perfeição é uma busca tão irracional. E depois? E se surgirem nós? Desespera-se? Ai, que raiva! Não, inspira-se, desfaz-se o nó com paciência e continua-se o novelo... mais uma volta... mais uma volta... sem perder a capacidade de rir do mundo. É que cada sorriso torna o novelo menos cinzento...

Olhe Doutor, quero sair daqui! Vou dar mais uma volta no novelo com o Yann Tiersen e pedir-lhe que me cante o "Monochrome" enquanto descobrimos o mundo como os putos, de forma simplesmente hilariante e colorida.

Até breve...? Nunca se sabe quando me apetecerá voltar... Fique descansado, eu aviso :)

Ah, tem lá fora alguns dos músicos que eu convidei. Dizem que, já que aqui estão, aproveitam para falar consigo... Enfim, deixe-os usar o meu divã... já sabe que só o partilho com aquelas pessoas cuja existência contribui para a grandeza do meu novelo.